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Estudo relaciona novas tecnologias à violência nas relações afetivas

“Eu vejo as conversas do celular dela todo dia, não tem essa de ter senha. Eu não confio em amigos, em amigas.” Assim se expressa H.F., adolescente que participou da pesquisa “A violência nas relações de intimidade sob a ótica dos adolescentes” da socióloga Ana Beatriz Campeiz, na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP. 

O estudo analisou as formas de violência presentes nas relações afetivas entre os jovens e constatou que as novas tecnologias têm sido aliadas na propagação de violência nos relacionamentos dos jovens, sejam relações longas ou momentâneas. “Na pesquisa ficou bem evidente que as redes sociais como o Instagram, Facebook e WhatsApp facilitam o controle e a manipulação da vida do companheiro, pois os adolescentes insistem em ter acesso a todo conteúdo dos celulares, além de impedir que o parceiro tenha amizades do sexo oposto”, afirma Ana Beatriz.

De acordo com a socióloga, para os participantes do estudo, um dos pilares de uma relação é a confiança. “Contraditoriamente, acreditam que o controle das redes sociais não é uma violência e sim uma prova de amor, além de que ao negar esse acesso ao companheiro, é interpretado como forma de traição”. Para M.A. outra adolescente participante do estudo, “você não dá a senha se não amar ele, porque ele vai saber da minha vida tudo ali, e se ele me ama, também tem que dá”.

Para evitar discussões por contas das redes, os jovens buscaram outra alternativa que possibilita um controle mútuo das ações do companheiro, o perfil comum.  Segundo a pesquisadora esse comportamento expõe a fragilidade das relações e reforçam a violência, entendida como forma de amor.

Ana Beatriz afirma que as crenças de violência como forma de amor e o mito do amor ideal são fatores determinantes para a violência na intimidade, considerada também como violência de gênero. “Os jovens justificam atitudes como ciúmes excessivo e o controle da vida do outro como aceitável e equiparam atos violentos ao cuidado”.

A pesquisadora conta que esses jovens acreditam em um amor romantizado e que deve suportar e superar tudo, com isso auxiliam a propagação de preconceitos como o machismo e a misoginia. “Nesta pesquisa os adolescentes desqualificam a mulher o tempo todo”, lamenta a pesquisadora.

Os resultados apontados pela pesquisa mostram também a mulher como agressora, é um e quando tal, o ato violento é aceito, pois os jovens consideram essas agressões menos graves (tapas, beliscões, arranhões). Já quando são vítimas, diz Ana Beatriz, as mulheres recebem rótulos e são penalizadas, diferente de quando o homem é o agressor, que é considerado natural e aceitável. Entretanto, quando o homem era vítima eles tinham dificuldade em compreender, pois era fora do que estavam habituados e do que é naturalizado. “Há presença de tabu e reprodução de estigmas de que a mulher sempre é a vítima e culpada, sempre a dominada e o homem sempre o dominante”.

 

 

A violência e suas faces


Participaram do estudo 39 jovens, com idade entre 15 e 18 anos de duas escolas estaduais do interior paulista. Ana Beatriz diz que existem poucos estudos nessa área e seu objetivo foi coletar informações para novas propostas de políticas públicas que incentivem relações mais saudáveis.

Quando o assunto é violência, diz a pesquisadora, muitos associam diretamente com a agressão física, mas existem outras faces dessa tragédia. “Essa ideia é ainda mais recorrente quando é reproduzida pelos veículos de comunicação”. A afirmação da pesquisadora se confirma quando analisado o caso da advogada Tatiane Spitzner, morta recentemente, no qual o principal suspeito é seu marido. Não bastasse a violência física sofrida pela advogada, mostrada pelas câmeras de segurança do prédio onde morava, testemunhas relataram que a violência psicológica era recorrente na relação entre ela e o marido.

No estudo de Ana Beatriz esse tipo de violência, psicológica e emocional, é  encontrada principalmente nos novos modelos de relação entre os jovens, como os ficantes e crushs, como evidencia a fala de M.R, mais um adolescente entrevistado na pesquisa. :  “Tem até violência quando é só crush também. Tipo, ele é meu crush e não pode ‘ficar’ com mais ninguém, só comigo, senão eu largo?.

Segundo Ana Beatriz, violências psicológicas e emocionais atingem a autoestima e autoconfiança das vítimas e causam marcas que permanecem ao longo da vida. “Quando se trata da agressão emocional a vítima não consegue enxergar o que está acontecendo para colocar um fim na relação”.

O não reconhecimento de determinados atos como coação sexual foi outro fator que chamou a atenção da pesquisadora. “Os jovens associam o estupro  ou o forçar o parceiro a praticar o ato sexual como coação apenas quando o parceiro é virgem”. Entretanto, afirma Ana Beatriz, a violência sexual pode acontecer em casais mais íntimos. “Durante a pesquisa foram vários os relatos de adolescentes que se sentiram forçados a beijar o/a parceiro/a, além de  trocar carícias quando não queriam. Eles não reconheceram esses atos como violência por achar que por serem namorados é algo normal”.

 

 

 

 

Ciclo Vicioso


Vários estudos já relataram o círculo vicioso da violência e na pesquisa da EERP esse fato se confirma. Alguns adolescentes entrevistados relataram e justificaram ações de violência devido a presença dessa realidade em suas famílias. Segundo Ana Beatriz antes de relatar algo vivenciado por eles, os jovens citaram as ações dos pais, tios, avós, como por exemplo: “Meu padrasto também.Ele bate na minha mãe porque ele cresceu vendo o pai bater na mãe dele. A mãe dele que falou pra minha mãe. Então, depois de um tempo, aí ele bateu na minha mãe”, conta M.E jovem que participou do estudo.

Para a pesquisadora, o fato de vivenciar a violência intrafamiliar leva ao aumento dos rótulos para os jovens, que acabam sendo julgados como possíveis novos autores de violência, mas segundo Ana Beatriz:  “É uma espécie de ciclo hereditário, mas esta afirmação não pode ser generalizada. Cada ser humano é único e deve ser olhado de maneira singular”.

O estudo faz parte do mestrado A violência nas relações de intimidade entre os adolescentes sob a perspectiva do Paradigma de Complexidade, defendido no início do mês de junho e orientado pela professora Maria das Graças Bomfim de Carvalho da EERP.

 

 

 

 

Por: Joice Soares

 

 

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